APRENDIZES DE FEITICEIROS

Nas sociedades primitivas, as habilidades eram coletivas: o que um índio era capaz de fazer todos da tribo também o eram. Com a sofisticação das atividades econômicas, surgiram a divisão do trabalho e a especialização profissional. Historicamente, o aprendizado das profissões se dava no próprio local de trabalho. Essa transmissão direta das habilidades profissionais levou a que, por séculos, os filhos adotassem o mesmo ofício dos pais, uma tendência que se fortalece quando máquinas e instalações necessárias ao exercício da atividade eram também herdadas. Desde a Grécia Antiga, o sucesso do político está ligado a seu poder de convencimento, habilidade que mestres sofistas, como Sócrates, procuravam desenvolver em seus pupilos pelo aprendizado da retórica e da oratória persuasiva. Seria essa habilidade profissional passível de ser transmitida diretamente de pai para filho? Não nos parece que seja. Tome o exemplo de político cujo grande poder de convencimento permitiu-lhe permanecer na boa vida da Passárgada brasileira nos últimos quarenta anos, como amigo de todos os reis, de ditadores a democratas de direita e de esquerda, mas cuja rebenta tem poder de convencimento nulo, mal conseguindo ler o que outros bem escrevem. Não sendo a habilidade política algo hereditário, seria então a posse de máquinas e instalações políticas que explique a continuidade de oligarquias, a contínua eleição de maus políticos, seus descendentes e aderentes? Essa é uma possibilidade real.

Tragédia Brasileira

No Brasil, desde as capitanias hereditárias -exemplo dos privilégios feudais que os governantes liberavam a seus acólitos- , as elites locais tem-se apoiado no poder econômico para se perpetuarem no poder político. Essa prática já foi mais escancarada nos tempos dos coronéis, do voto de cabresto, em que os currais eleitorais eram verdadeiras fábricas de votos.Mas continua viva, pois o poder econômico de alguns políticos é, obviamente, hereditário e continua sendo usado para ganhar eleições. Modernamente, tornou-se claro que o uso do poder econômico para se eleger deve ser combatido pela sociedade, já que tem como corolário a improbidade administrativa e o desvio de dinheiro público - no afã de reaver o capital investido na eleição-, alem de impedir que bons candidatos sem poder econômico tenham chances de vencer. Num tempo em que se reconhece o enorme impacto que a informação (ou desinformação) pode ter sobre o eleitor, procurou-se evitar a manipulação da opinião pública - levando incautos a acreditarem em falsas verdades repetidas à exaustão na mídia -, proibindo-se que políticos tomem posse de estações de rádio e televisão, usando concessões públicas a serviço do chamado ‘coronelismo eletrônico’, uma medida salutar que tem sido sistematicamente burlada. Apesar das brechas que têm sido aproveitadas pelos espertalhões, é fato que a legislação eleitoral e a atuação do Ministério Público têm sido aprimoradas e cresceu o número de políticos tornados inelegíveis por práticas abusivas e ilegais. Particularmente em rincões menos desenvolvidos de nosso país -onde a fragilidade da noção de cidadania torna o eleitor mais vulnerável à sanha dos poderosos-, o instituto da inelegibilidade é, sem dúvida, uma providencial medida para afastar os maus políticos do exercício do poder, assim defendendo os interesses públicos. Entretanto, mais uma vez, a lei tem sido burlada, nesse caso com o lançamento de candidaturas de filhos ou consortes de políticos considerados inelegíveis, na maioria das vezes pessoas sem nenhum ou muito pouco preparo para o bom exercício de cargos públicos. Infelizmente, essa habilidade de burlar a legislação eleitoral é considerada astúcia de raposas políticas. Talvez aí encontremos, finalmente, o capital político que pode ser transmitido de pai para filho: o mapa da mina, o caminho das pedras que permite a burla eleitoral, a compra de votos e o tráfico de influências.

Junior Aziz

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